quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CAPITULO IV - OS BRASIS NA HISTÓRIA


Nesta parte do livro, Darcy Ribeiro nos apresenta através de sua pesquisa que a identidade dos brasileiros se explica pela precocidade de sua constituição e pela flexibilidade, que permitiram uma adaptação secular, ajustamentos locais e a sobrevivência dos ciclos produtivos. Identificou cinco tipos de Brasis, ou seja, cinco regiões extremamente diferentes, com costumes, tradições e culturas diversas.
O Brasil crioulo localizado na região do recôncavo baiano, no nordeste brasileiro, tem no centro de seu contexto, os grandes engenhos. Em resumo, este Brasil inicialmente era dominado pelos senhores de engenho e tinha na cana-de-açúcar a sua principal fonte produtiva. Em um primeiro contato do português com o indígena, ocorre a tentativa infeliz de escravizá-lo, desta forma, a solução para o problema de mão de obra para o ciclo de produção da cana-de-açúcar aparece com o comércio de escravos (negros), para suprir a escassez da mão de obra.
Com a produção de açúcar holandesa nas Antilhas, a economia brasileira começou a entrar em declínio. No fim do século XIX, com a abolição da escravatura, os negros passaram a ganhar um pedaço de terras para trabalhar como agregados e poder adquirir produtos do senhor de engenho. O Brasil caboclo ocorre na Amazônia, com a tentativa de explorar seus recursos naturais, como a madeira, o ouro, as pedras preciosas, e especialmente os seringais. O autor explica que mesmo nas zonas de maior densidade, os seringais cobrem enormes extensões, impedindo que a população se organize em núcleos consideráveis. Além disso, ocorreu a introdução de novas culturas, como a criação de gado e o plantio de lavouras, tudo isto feito de forma desordenada, e sem consciência ecológica, empurrando o índio “mata a dentro” cada vez mais, dificultando o processo de tentar convertê-los ao catolicismo. Neste contexto, alguns indígenas foram escravizados, na tentativa de utilizar de suas técnicas na floresta para realizar o extrativismo das chamadas “drogas da mata”, especiarias como cacau, cravo, canela, baunilha, sementes, entre outras.
O Brasil sertanejo desenvolveu uma economia associada à produção de uma subcultura própria caracterizada por uma vestimenta, culinária e visão de mundo bem típicas. Primeiramente o pastoreio se fazia pelos próprios senhores de engenho, mas com o tempo a atividade tornou-se especificidade de criadores. O gado era recebido pela família do vaqueiro e seus ajudantes, sendo que as relações eram menos desiguais nesse sistema, o que atraía muitos mestiços à atividade. Este sistema surge como dependente da atividade açucareira, utilizando das pastagens e do gado trazidos pelos portugueses de Cabo Verde. A necessidade de recuperar e apartar o gado levou à cooperação entre as pessoas, acabando por transformar a convivência entre as mesmas. Desta convivência surgiram festas, bailes, casamentos e uma maior atividade social no movimento de expansão. O sertão era cortado e ocupado pelos homens que marchavam de pouco em pouco, avançando cada vez mais para o interior, as populações sertanejas, desenvolvendo-se isoladas da costa, dispersas em pequenos núcleos através do deserto humano que é o mediterrâneo pastoril, conservaram muitos traços arcaicos. Aos poucos, os lugarejos iam se transformando em vilas e cidades, fazendo crescer os locais de habitação urbanos, tornando-se um grande negócio para as oligarquias regionais, que perduram até os dias de hoje.
 Outro Brasil que o autor identificou foi o Brasil caipira. Enquanto os açucareiros do nordeste cresciam e enriqueciam, a população paulista se via numa economia de pobreza, que, inclusive, está na base das motivações e dos hábitos e caráter do paulista antigo. Isso fazia deles um bando de aventureiros sempre disponíveis para qualquer tarefa desesperada, porém, mais predispostos ao saqueio que à produção. Com a descoberta das minas, multidões vindas de todo o país e até de Portugal chegaram até elas, ricos, remediados e pobres, todos tentavam a sorte nas minas. Inicialmente, o ouro se encontrava à flor da terra para simplesmente ser apanhado. Logo apareceram graves conflitos contra invasores e contra a Coroa. 
A sociedade mineira, centro da mineração, adquiriu feições peculiares com influências paulistas, européias, escravas e de outros brasileiros de outras regiões. A rede urbana ampliou-se, cresciam edifícios públicos, igrejas e a arquitetura barroca. Desenvolveu-se uma classe de ricos comerciantes e burocratas. A literatura, a música e a política libertária também tiveram um grande desenvolvimento. Abaixo das castas superiores estavam o mulato e o negro, que faziam serviços domésticos e trabalhos braçais. Na base da sociedade estavam os negros escravos trabalhadores das minas. Com o esgotamento dos aluviões, a região entra em decadência. Mineradores se fazem fazendeiros de lavouras de subsistência e de gado, essa situação duraria pouco, pois logo surgiria uma nova forma de produção agroexportadora: o plantio do café, que revitalizaria a região. As cidades voltam a crescer, o domínio da oligarquia se remonopoliza e ocorre um processo de reordenação social. A produção diminui e torna-se pequena, se comparada à produção de sua época áurea. O café representou um papel modernizador e integrador para o país, porém movia-se sempre para a frente, deixando para trás áreas devastadas e erodidas. A massa de estrangeiros que aqui chegavam e iam se abrasileirando e deixando suas influência para este Brasil caipira.

A expansão dos paulistas atingiu a região sulina, antes dominada por espanhóis, tendo sido esta a causa que anexou a região Sul ao Brasil. Surge desta forma, o Brasil sulino. Houveram também as missões jesuíticas, que vieram para catequizar os índios guaranis, depois se deram os conflitos com os bandeirantes que dizimaram muitos índios guaranis, forçando os jesuítas a se bandearem pras missões argentinas e paraguaias. Os três componentes sociais do Brasil sulino são o nativo de origem açoriana, o gaúcho (mestiço do espanhol ou do português com o indígena guarani) e o gringo (descendente do imigrante).
O terceiro grupo, o dos gringos, de origem germânica e italiana principalmente, diferencia-se do restante da população por seu bilingüismo, seus hábitos europeus, seu nível educacional mais elevado e um modo de vida confinado em pequenas propriedades, com uma produção diversificada, com base em bovinos, plantio, vinho, entre outras culturas. Imigrantes europeus foram obrigados a aprender o idioma português e a alistar-se nas forças armadas brasileiras. No Brasil sulino ocorreu ainda a distribuição de terras de forma legal, as chamadas sesmarias, na região de Rio Grande, Pelotas, Viamão e Missões. Os estancieiros viram caudilhos e mais tarde se tornam patrões e em tempos menos distantes, tornam-se proprietários de frigoríficos e matadouros. As gerações seguintes, beneficiárias dos resultados desses sacrifícios pioneiros, encontraram condições mais propícias.

Muitos índios e poucos portugueses, misturados pelos jesuítas, eis a origem do nosso caboclo, que habita no lugar de beleza incomparável, beleza só nossa e de alguns vizinhos, a beleza da Amazônia. O chamado Jardim da Terra, de uma extensão imensa. Lá impera a exuberância e o mistério, o mito das riquezas, do ouro e da prata. Das mulheres guerreiras, de gigantes e de anões, das drogas e das plantas fantásticas. A chegada dos europeus representou a catástrofe. As doenças que trouxeram entraram no corpo dos índios para dizimá-los. Foi o sarampo, a bexiga, as cáries dentárias, a caxumba e as gripes. todas mataram grande número de índios. Os que sobraram foram transformados em escravos, para a coleta das drogas do sertão, ou então ficaram sob o controle da catequese de jesuítas, carmelitas e franciscanos.
Este caboclos se transformaram em índios genéricos, sem língua própria, sem identidade. Uma enorme massa de índios, de poucos brancos e negros formou uma nova matriz étnica. Falavam o tupi, uma língua estrangeira que lhes foi trazida pelos jesuítas. O português era apenas a segunda língua, que foi se firmando, graças aos esforços, no segundo reinado. Viviam das drogas do sertão e da abundância da natureza, da forma mais rudimentar e primitiva. A partir de 1880 ocorreu a primeira grande transformação, que marcou o seu maior florescimento econômico. A borracha abriu um ciclo econômico vinculado com a exportação, com a Europa. Para lá é que eram drenados todos os recursos. O seringueiro levava uma vida desgraçada e que conheceu uma nova forma de exploração, o sistema de aviamento. Ele recebia adiantamente as mercadorias que precisava, poucas na verdade: comida, roupas, pólvora,  e pagava depois, mas nunca conseguia pagar. As contas sempre pendiam para um lado só. Manaus transformou-se na capital mundial da borracha e Belém na capital da Amazônia. Depois da primeira guerra o cenário muda. A Malásia domina o mercado da borracha e aqui ocorre a debandada. Empresários se suicidam, casas e palácios começam a ruir e Manaus, a primeira cidade brasileira a ter telefone, energia elétrica e bondes, na década de cinquenta nem energia elétrica mais tinha. Um novo período de desastres se reabrirá com o projeto dos militares golpistas. Queriam integrar a amazônia, loteando-a para os grandes grupos internacionais. Com a Transamazônica queriam levar a modernidade à região. Mas só inauguraram uma nova via crucis de conflitos agrários e de destruição de áreas indígenas. A desintegração e os conflitos tomam conta da região. A contradição é percebida e os povos da floresta se organizam. A morte de Chico Mendes representa simbolicamente todo este conflito. Até hoje a civilização se mostrou incapaz de produzir um sistema de viabilidade econômica às condições da floresta tropical. E segundo Darcy Ribeiro  lá vive o povo mais culto da terra, o povo mais culto do Brasil. Tem dez mil anos de sabedoria herdada, de convívio com a natureza e de saber sobreviver nela, sem degradá-la. O que não seria de uma economia que incorporasse o cupuaçu, o bacuri e tantas outras frutas numa agricultura organizada.

FONTE: "O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro"

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CAPITULO III - O PROCESSO SOCIOCULTURAL - parte 2


A distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros. Entretanto a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. As atuais classes dominantes brasileira, feitas de filhos e netos dos antigos senhores de escravos, guardam diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra, negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas sem que pudesse educar seus filhos e de qualquer ordem de assistência. Porém, o negro urbano veio a ser o que há de mais vigoroso e belo na cultura popular brasileira, com base nela é que se estrutura o nosso Carnaval, o culto de Iemanjá, a capoeira e inumeráveis manifestações culturais. O negro aproveita cada oportunidade que lhe é dada para expressar o seu valor, isso ocorre em todos os campos em que não exige escolaridade, como por exemplo na MPB, no futebol e outras formas de competição e de expressão. O enorme contingente de negro e mulato, é talvez, o mais brasileiro dos componentes de nosso povo. O mulato em virtude de seu vigor híbrido e talvez por isso possuem maiores chances de ascensão social, ainda que só progredisse na medida em que negava sua negritute. Nos últimos anos, por efeito do sucesso do negro americano, que foi tido pelos brasileiros como uma vitória da raça, o negro brasileiro vem tomando coragem de assumir orgulhosamente sua condição de negro. O mesmo ocorreu a muitos mulatos que saltaram para o lado negro de sua dupla natureza. A característica distintiva do racismo brasileiro é que ele não incide sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor de sua pele. Nessa escala, negro é o negro retinto, o mulato já é o pardo e como tal meio branco, e se a pele é um pouco mais clara, já passa a incorporar a comunidade branca. O aspecto mais perverso do racismo assimilicionista é que ele dá de si uma imagem de maior sociabilidade, quando, de fato, desarma o negro para lutar contra a pobreza que lhe é imposta, e dissimula as condições de terrível violência a que é submetido. A democracia racial é possível, mas ó é praticável conjuntamente com a democracia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há democracia para ninguém, porque à opressão do negro condenado à dignidade de lutador da liberdade, coresponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor dentro de sua própria sociedade.
O censo de 1950 permite algumas comparações significativas entre as condições de vida e de trabalho de negros e brancos na população brasileira ativa. Considerando, por exemplo, o grupo patronal em conjunto, verifica-se que as possibilidades de um negro chegar a integrá-lo são enormemente menores, já que de cada mil brancos ativos maiores de dez anos, 23 são empregadores, contra apenas quatro pretos donos de empresas por cada mil empregados. Examinando a carreira do negro no Brasil se verifica que introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução das tarefas mais duras,  como mão de obra fundamental de todos os setores produtivos.
Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via preso a novas formas de exploração que , embora melhores que a escravidão, só lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continuava sendo principalmente o de animal de serviço. Apesar da associação da pobreza com a negritude, as diferenças profundas que separam a e opõem os brasileiros em extratos flagrantemente contrastantes são de natureza social. Entretanto, o vigor da ideologia assimilacionista, assentada na cultura vulgar e também ensinada nas escolas, e das atitudes que começam a generalizar-se entre todos os brasileiros de orgulho por sua origem multirracial, e dos negros por sua própria ancestralidade, permitirão enfrentar com êxito as tensões sociais decorrentes de uma ascensão do negro, que lhe augure uma participação igualitária na sociedade nacional. É preciso que assim seja, porque somente assim se há de superar um dos conflitos mais dramáticos que desgarra a solidariedade dos brasileiros.
O contingente imigratória europeu intergrado na população brasileira é avaliado em 5 milhões de pessoas compostos principalmente por portugueses, que vieram desde os primeiros séculos e se tornaram dominantes pela multiplicação operada através do caldeamento com índios e negros, posteriormente seguem-se os italianos, os espanhóis, os alemães, os japoneses e outros contingentes menores de eslavos e árabes. O papel do imigrante foi muito importante como formador de certos conglomerados regionais nas áreas sulinas em que mais se concentrou, criando paisagens caracteristicamente europeias e populações dominadoramente brancas.
O conjunto plasmado com tantas contribuições, é essencialmente uno enquanto etnia nacional, não deixando lugar a que tensões eventuais se organizem em torno de unidades regionais, raciais ou culturais opostas. Uma mesma cultura a todos engloba e uma vigorosa autodefinição nacional, cada vez mais brasileira, a todos anima. Esse brasileirismo é hoje tão arraigado que resulta em xenofobia, por um lado, e por outro lado, em vanglória nacionalista. Os brasileiros todos torcem nas copas do mundo com um sentimento tão profundo como se  se tratasse de guerra de nosso povo contra todos os outros povos do mundo. As vitórias são festejadas em cada família e as derrotas sofridas como vergonhas pessoais.
A contraparte dialética da intencionalidade do projeto colonial é o caráter anárquico, que obrigava a buscar soluções próprias ajustadas à sua natureza e agindo longe das vontades oficiais, a ação do colono exerceu-se quase sempre improvisadamente e ao sabor das circunstâncias. O maior susto que tiveram os portugueses, no passado, foi ver a força de trabalho escrava, reunida com propósitos exclusivamente mercantis para ser desgastada na produção, insurgir-se, pretendendo ser tida como gente com veleidades de autonomia e autogoverno. Do mesmo modo, a grande perplexidade das classes dominantes atuais é que esses descendentes daqueles negros, índios e mestiços ousem pensar que este país é uma república que deve ser dirigida pela vontade deles como seu povo que são. A resistência às forças inovadoras da Revolução Industrial e a causa fundamental de sua lentidão não se encontram no povo o no caráter arcaico de sua cultura, mas na resistência das classes dominantes. Particularmente nos seus interesses e privilégios, fundados numa ordenação estrutural arcaica e num modo infeliz de articulação com a economia mundial, que atuam como um fator de atraso, mas são defendidos com todas as suas forças contra qualquer mudança. Ao contrário do que ocorre nas sociedades autônomas, aqui o povo não existe para si e sim para outros. Ontem, era uma força de trabalho escrava de uma empresa agro mercantil exportadora. Hoje, é uma oferta de mão de obra que aspira a trabalhar e um mercado potencial que aspira a consumir. O patronato, na função de coordenador das atividades produtivas, e o patriciado, no exercício do papel de ordenador da vida social, puderam assim fazer frente a todas as tendências dissociativas, preservando a unidade nacional. Desse modo é que o Brasil se implanta como sociedade nacional sobre um imenso território, envolvendo milhões de pessoas mediante o crescimento e diversificação adaptativa do núcleo unitário original, simultaneamente com o estabelecimento de representações locais da mesma camada dirigente em dada uma das variantes regionais.
Transfiguração étnica é o processo através do qual os povos, enquanto entidades culturais, nascem, se transformam e morrem. O primeiro é a biótica que com as relações entre outros seres de regiões diferentes trouxeram epidemias e germes que traziam não o vitimavam mas exterminavam que se aproximasse a eles. Uma segunda instância é a ecológica, pela qual os seres vivos, por coexistirem, afetam-se uns aos outros em sua forma física, em seu desempenho vital. A terceira instância é a econômica, que, convertendo uma população em condição de existência material de outro, em prejuízo de si própria, pode levá-la ao extermínio. Uma última instância é a psicocultural que pode dizimar populações retirando-lhes o desejo de viver, como ocorreu com os povos indígenas que se deixaram morrer por não desejar a vida que se lhes ofereciam. Na história do Brasil, vimos surgir o brasilíndio como um contingente de vigor admirável tanto na destruição de seu gentio materno, como forma de expandir-se, quanto apropriando-se de mulheres para reproduzir. Vimos algo semelhante ocorrer com o negro, que, refugiando-se num quilombo, reconstitui a vida que aprendera a viver no núcleo colonial de forma a readquirir sua dignidade e possibilitar sua sobrevivência. A imigração estrangeira, principalmente de pobres trabalhadores brancos europeus, tornados excedentes de suas economias nacionais, representou também uma enorme ameaça de transfiguração da população brasileira preexistente, tal como ocorreu no Uruguai e Argentina. Tais são os brasileiros de hoje, na etapa que atravessam de sua luta pela existência. Já não há praticamente índios ameaçando o seu destino. Também os negros desafricanizados se integram nela como um contingente diferenciado, mas que não aspira a nenhuma autonomia étnica. O próprio branco vai ficando cada vez mais moreno e até orgulhoso disso.

Fonte: "O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro."

terça-feira, 13 de setembro de 2016

CAPITULO III - PROCESSO SOCIOCULTURAL - parte 1


Na busca de uma identidade étnica única tiveram várias guerras no Brasil de uma determinada raiz étnica subjulgando a outra, temos a exemplo disso a guerra dos Cabanos, assim com também os Palmares. Um outro exemplo foi Canudos que tinha um viés mais classista. O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi altamente conflitivo. O conflito interétnico se processa no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que a fustiga afim de implementar um novo tio de economia e de sociedade. As forças que se defrontam nessas lutas eram desiguais, de um lado as sociedades tribais que eram estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade e com uma profunda identificação étinica e com um modo de vida solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, antagonicamente opostas mais imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente responsáveis. Ao longo de dois séculos e meio, os conflitos sucederam o plano adminstrativo que culminou na deportação dos Jesuítas primeiro em São Paulo se espalhando para a demais regiões da colônia. A companhia dos jesuítas crescera de tal forma que se tornara muito rica, eles tinha grandes propriedades de terras, as melhores propriedades urbanas, engenhos, rebanhos, serrarias e muitos outros bens. Quando foram expulso pode se avaliar o tamanho de seus bens durante o espólio para a distribuição entre os colonos nobres. O sistema de economia solidária pregada pelos jesuítas tomara tamanha proporção que passou a causar inveja e cobiça, fazendo com que pressionassem a coroa para a desapropriação desses bens a fim de toma-los para si através do sistema burocrático.
No plano econômico o Brasil é produto de implantação e interação de quatro ordens de ação empresarial, sendo primeiramente a principal delas a escravista ( latifundiária e monocultura), subsequente mente a comunitária jesuítica, a multiplicidade de microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado. As empresas escravistas integram o Brasil nascente na economia mundial e asseguram a prosperidade secular dos ricos, as missões jesuíticas solaparam a resistência dos índios, contribuindo para a liquidação, as empresas de subsistência viabilizaram a sobrevivência de todos e incorporaram os mestiços de europeus com índios e com negros, plasmando o que viria a ser o grosso do povo brasileiro. Sobre esta três empresas, havia uma quarta dominadora, constituída pelo núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação, sendo este o setor mais lucrativo da economia colonial, pois intermediava as relações entre Brasil, Europa e Africa no tráfico marítico, no câmbio, na compra e venda.
Na organização Urbana, nossa primeira cidade, de fato, foi a Bahia, já no primeiro século, onde surgem também o Rio de janeiro e João Pessoa. A partir do segundo século e nos subsequentes irão surgindo as outras cidades que foram crescendo no decorrer dos séculos e se tornaram centros de vida urbana. A independencia espalhou quantidades de lusitanos por toda a parte, todos muito voltados ao comércio, como agentes de empresas inglesas. A abolição, dando alguma oportunidade de ir e vir aos negros, encheu as cidade do Rio de Janeiro e da Bahia de núcleos chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de agora. Na passagem do século com a crise de desemprego na Europa desembarcam cerca de 7 milhões de europeus no Brasil, concentrando a maior parte em São Paulo onde renovaram a economia da região. Foram eles quem iniciaram o processo de industrialização do país. As cidades e vilas da rede colonial que correspondem a civilização agrária, eram centros de dominação colonial criados por ato expresso da Coroa para defesa da costa. Exerciam, como função principal, o comércio de importação e contrabando, a prestação de serviços aos setores produtivos na cobrança de impostos e taxas, concessão de terras, de legitimação de transmissão de bens por herança ou por venda e de julgamento de conflitos. As principais edificações das cidades eram igrejas, conventos e fortalezas, que também era seu principal atrativo. O fazendeiro ou comerciante tinha e mantinha agregados que os serviam sem nenhum salário, apenas recebiam os mantimentos para sua sobrevivência. Essa gente auxiliava e todas as tarefas doméstica e estava destinadas a abrilhantar a posição dos ricos e remediados, carregando a eles próprios, a seus objetos e dejetos, amamentando os recém-nascidos, servindo-lhes, enfim de mãos e de pés. Apesar das diferenças entre as formações socioculturais europeias e as brasileiras, ambas eram fruto de um mesmo movimento civilizatório. Com a industrialização se altera essa constelação urbana no que tinha de fundamental, que era sua tecnologia produtiva, transformando todo o seu modo de ser, de pensar e de agir.
            No Brasil, a industrialização promove a expulsão da população do campo, com o crescimento dessas populações do campo ao longo dos séculos anteriores a este processo, vivemos um dos mais violentos êxodos rurais, tanto mais grave porque nenhuma cidade brasileira estava em condições de receber esse contingente espantoso de população. Sua consequência foi o aumento da miséria da população urbana e maior competitividade por empregos, embora haja variações regionais e São Paulo represente um grande percentual nesse translado, o fenômeno se deu por todo o país. No presente século, teve lugar uma urbanização caótica provocada menos pela atratividade da cidade do que pela evasão da população rural, ocasionando na loucura de termos algumas das maiores cidades do mundo, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, com o dobro da população de Paris ou Roma, mas dez vezes menos dotadas de serviços urbanos e de oportunidade de trabalho. Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das constrições sociais que deformavam o desenvolvimento nacional. Primeiro a estrutura agrária dominada pelo latifúndio, segundo a espoliação estrangeira que amparada pela política governamental fortalecera seu domínio. Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. A moderna industrialização brasileira teve impulso através de dois atos de guerra propostos por Getúlio Vargas que foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a devolução das jazidas de ferro de Minas Gerais que deram origem a Vale do Rio Doce. Essa política de capitalismo de Estado e de industrialização de base provocou reações adversas dos privatistas e dos porta-vozes dos interesses estrangeiros. Quando Getúlio se prepara para a criação da Eletrobrás e da Petrobrás a mídia faz uma campanha de desmoralização do seu governo o qual valeu o próprio suicídio, que acordou a nação para o caráter daquela campanha e quais os reais interesses dos inimigos do governo. Com a eleição de Juscelino Kubtschek, desencadeia a industrialização substitutiva, abandonando a política de capitalismo de Estado atraindo numerosas empresas para implantar subsidiárias no Brasil, concedeu subsídios, terrenos, isenção de impostos, empréstimos e avais estrangeiros. O Estado brasileiro não tem nenhum programa de reestruturação econômica que permita garantir pleno emprego a essas massas dentro de prazos previsíveis. Os tecnocratas dos últimos governos só veem saída na venda a qualquer preço das indústrias criadas no passado com tão grandes sacrifícios, confiante em que isso nos dará a prosperidade, se não para o povo trabalhador, ao menos para os que estão bem integrados no sistema econômico. O que nos falta hoje é maior indignação generalizada em face de tanto desemprego,
tanta fome e tanta violência desnecessárias, porque perfeitamente sanáveis com alterações estratégicas na ordem econômica. Falta competência política para usar o poder na realização de nossas potencialidades. A própria população urbana encontra soluções para seus problemas com o que está a seu alcance, aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhes permitem viver juntos aos seus locais de trabalho e conviver em comunidades humanas. O favelado torna a crise das drogas no meio em que vive como um sistema de empregabilidade e um padrão de carreira altamente desejável para a criançada. Outro processo dramático é a deculturação dessa população das favelas onde sua gravidade se assemelha ao ocorrido no passado com os índios, o negro e o próprio europeu no processo de deseuropeização. Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrinação. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa fazendo a cabeça das pessoas, impondo-lhes padrões de consumo inatingíveis, desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações e seu pendor à violência. Algo tem que ver a violência desencadeada nas ruas com o abandono dessa população entregue ao bombardeio de um rádio de uma televisão social e moralmente irresponsáveis, para as quais é bom o que mais vende, refrigerantes ou sabonetes, sem se preocupar com o desarranjo mental e mora que provocam.
Nossa tipologia de classes sócias é formada pelo patronato de empresários onde o poder e a riqueza vem da exploração econômica e o patriciado, cujo mando decorre do desempenho de cargos. Cada patriciado enriquecido quer ser o patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio. Nas ultimas décadas surgiu e se expandiu a classe dos tecnocratas, que controlam a mídia coformando a opnião pública, eles elegem parlamentares e governantes, ou seja, eles manda com desfaçatez cada vez mais desabrida.
 Abaixo ficam as classes intermediárias, propensos a prestar homenagem as classes dominantes, tirando disso alguma vantagem. Dentro dessa classe, entre o clero e os raros intelectuais, é que surgiram mais subversivos em rebeldia contra a ordem. A insurgência mesmo foi desencadeada por gente de seus estratos mais baixos. Por isso mesmo mais padres foram enforcados que qualquer outra categoria de gente. Seguem-se as classes subalternas, formada por pequenas proprietários, arrendatários, gerentes de grandes propriedades rurais, etc. Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango de classes sociais brasileiros, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. Essa estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. As classes subalternas são as classes consumidoras onde seu pendor está mais para defender o que já tem e obter mais, do que para transformar a sociedade. O quarto estrato é formado pelas classes oprimidas que são excluídos da vida social e lutam por ingressar no sistema de produção e pelo acesso ao mercado. Essa configuração de classes antagônicas organiza-se de fato para fazer oposição às classes oprimidas em ração do pavor-pânico que infunde a todos e ameaça de uma insurreição social generalizada.
No Brasil, as classes ricas e pobres se separam uma das outras por distâncias sociais e culturais quase tão grandes quanto as que medeiam entre povos distintos. Essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para esse depósito de miseráveis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam. Não é por acaso, pois o Brasil passa de colônia a nação independente e de Monarquia a República, sem que a ordem fazendeira seja afetada e sem que o povo perceba. Todas nossas instituições políticas constituem superfetações de um poder efetivo que se mantém intocado: o poderio do patronato fazendeiro. A única saída possível para essa estrutura autoperpetuante de opressão é o surgimento e a expansão do movimento operário. É por esse caminho que as instituições políticas podem aperfeiçoar-se, dando realidade funcional à República.

Fonte: "O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro."

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O Povo Brasileiro - Capitulo II: Gestação Étnica


Para melhor se infiltrar me meio aos povos indígenas, os europeus se aproveitaram de um sistema muito comum entre os índios, que é o sistema de “cunhadagem”, onde qualquer pessoa de fora da tribo que se casasse com uma filha da tribo passava a gozar dos direitos, regalias e vantagens de um nativo, exercendo grande poder de influencia e desta forma usando esse poder para que a tribo lhe fizesse as coisas de acordo com que lhe convinha, ou seja, manipulando a todos se fazendo como se fosse parte deles e como se os anseios do europeu fosse para a tribo o desejo de todos. Nesse sistema todos eram transáveis, o que possibilitou práticas de incesto, pois não se sabia grau de parentesco de ninguém, uma vez que todos se relacionavam sexualmente entre si. Apenas não se podia um cunhado transar com os sogros, e nem com os nascidos após a união, fora isso poderia transar com qualquer outra que estivesse dentro de sua faixa. Alguns europeus se destacaram por possuírem um enorme número de descendentes e tribos subjulgadas através da prática do “cunhadismo”. Muitos filhos dessa mestiçagem se destacaram ao longo da história do Brasil, como por exemplo Jerônimo de Albuquerque que fora o grande capitão de guerra na luta pela conquista do Maranhão ocupado pelos franceses. Os franceses também fundaram criatórios com base no “cunhadismo” e tiveram um grande número descendentes. Houve um período em que não se sabia se  o Brasil seria português ou francês. Os espanhóis também fizeram parte do sistema de cunhadismo e suas participações se dão em lutas contra os portugueses na Paraíba e no Maranhão sempre ao lado dos franceses.
Para dar fim ao sistema de cunhadismo e fortalecer a sua presença, a coroa portuguesa criou o sistema de donatários, dando vastas faixas de terra para alguns de seus nobres que deveriam se estabelecer nelas, torna-las produtivas e rentáveis para a coroa. Essa era também uma forma de consolidar a dominação pelas terras de além mar na luta contra os franceses que almejavam a criar a “França Antartica” na região da Guanabara. Na vinda desses nobres, acampanhara-lhes nessa jornada poucas mulheres portugueses, e dessas poucas nenhuma solteira. Para sanar a necessidade de casamento e procriação, os Jesuítas casavam com os portugueses as mamelucas que já vinha de uma miscigenação do indígena com o português e por serem educadas pelos jesuítas já recebiam uma instrução dentro da fé cristã, assim como modos e maneiras de comportamento de uma esposa europeia. Porém, mesmo essas não eram um número suficiente para suprir o contigente de homens afoitos e em idade de se casar, para esta questão os jesuítas solicitaram então o envio de mulheres de toda a sorte que Portugal pudesse enviar, vindo então meretrizes e órfãs para casar com os portugueses que aqui estavam como uma forma de conter o grande índice de fornicação com as nativas. Mesmo isso não fora o suficiente para conter a lacividade do português, o que fez com que a maior parte dos brasileiros fossem nascidos essa mistura com o índio.
Com as donatárias foram fundadas as primeiras vilas, que juntamente com os jesuítas passaram a reger uma  nova forma de convivência com os índios, em que a convivência cordeal e igualitária do cunhadismo ia dando lugar a disciplina rígida, havendo inclusivo punição com a morte por parte dos religiosos para aqueles transavam com as índias se estendendo a elas inclusive. Nesse mesmo período a relação entre o europeu e o indígena Fo se estreitando, o escambo já não era mais algo interessante para os índios a medida que viam demanda no trabalho crescer cada vez mais, ora pela dificuldade de se encontrar o pau-brasil e ir buscá-lo cada vez mais longe e ora pelo aumento das terras para a lavoura e a redução de gente pra trabalhar, muitos pereciam nos campos. Para o europeu tinha as questões de El-rei e dos religiosos que hora permitiam a caça e escravização de algumas tribos e ora proibia através de decretos. O sistema chega ao seu limite onde além do Genocidio de indiso causado pelas guerras e doenças trazidas pelos europeus, vemos um novo genocídio, o do desgaste pelo trabalho árduo em que muitos não resistiram a tanto esforço e alimentações escassas e pereceram, os europeus exauriam a força de trabalho indígena ao máximo nas capitanias, principalmente nas do sudeste. Simultameamente surgia no nordeste uma nova formação do povo brasileiro, composto por mamelucos e brasilíndios gerados pela mestiçagem de europeus com índios e que se somou posteriormente aos escravos africanos, onde em toda essa mistura começou a gerar “protobrasileiros” que vão se assemelhando a nenhum destes e obtendo uma matriz profunda que hoje conhecemos com o cabeça-chata nordestino.

Os brasilindios são os grandes responsáveis pela expansão do Brasil adentro, são eles formados por filhos de índios com portugueses que por não serem aceitos pelas matrizes indígenas, uma vez que para os índio a mãe era apenas um saco onde o homem colocava sua semente para germinar caracterizando o filho como sendo apenas do pai, nem pelos portugueses eram legitimados por conta de sua mestiçagem. Assim, logo que cresciam desempenhavam o papel de desbravar o interior para a caça de outros índios para servirem ao trabalho escravo à que eram submetidos até esvaírem-se todas as suas forças. Esses brasilindios também eram chamados de mamelucos, desgnação dada pelos espanhóis num analogia com o sistema de castas de escravos árabes onde mamelucos era o nome dado àquele que subjulgava e destratava os de sua matriz étnica. Os mamelucos em sua campanha de desbravar o interior romperam o tratado de Tordesilhas chegando aos territórios paraguaio, argentino e uruguaio, os brasilindios paulistas foram os principais condutores do processo de expansão.
Os negros do Brasil são em sua maioria da região da costa ocidental africana. Tendo várias etnias diferentes, desde os de yorubá como os de origem islâmicas, havendo também o povo Bantu da região do Congo. O negro fora trazido para substituir o índio  no trabalho da lavoura, uma vez que eram povos agrícolas e tinha grande conhecimento no manejo da terra, até mais que o índio. Para que não se juntassem e se rebelassem, os negros eram separados de suas tribos matrizes e misturado ao outros de outras tribos e que falavam outros dialetos, dificultando assim a comunicação entre eles. O continente africano era uma Babel de línguas e dialetos, o que dificultou a comunicação entre eles durante muito tempo. Porém com o tempo os negros foram se adaptando ao idioma do europeu e começaram a falar e a se comunicarem entre si em português. São eles os responsáveis pela unificação e propagação da língua portuguesa, uma vez que o mameluco falava um dialeto próprio com matriz na língua tupi conhecido como Nhengatu. A partir de então, com o negro passando a se comunicar com uma única língua é que começaram a surgir as primeiras manifestações por liberdade. Mas antes disso, a empresa escravista irá se fazem em cima da violência mais crua e coerção permanente, com os castigos mais atrozes, desumanos e desculturador de eficácia incomparável. Tal qual como o índio, o negro era exposto ao trabalho até se esvaírem todas as suas forças, não podendo fugir daquilo a não ser através da morte, muitos chegaram a cometer suicídio para não ter que viver de forma bruta ou morriam em tentativas frustradas de fuga, pois era impossível fugir devido a alta vigilância. O negro sofreu várias augurias, foi submetido ao exílio, isolamento, a multilação, a uma vida solitária sem sexo e sem família, onde muitos pereceram. Essas atrocidades fazem parte da nossa sociedade que é opressora, classista e o pobre é explorado até hoje.
Devido à auto identificação própria e nova, surgem o que Darcy Ribeiro denomina como os neobrasileiros, que são aqueles nascidos aqui e que passam a criar uma identidade própria sócio cultural, buscando incorporar a todos numa identidade étnica única. Os neobrasileiros por muito tempo exibiria uma aparência mais indígena do que negra ou europeia, inclusive na concepção de suas moradias como nas questões comportamentais. A língua Nhengatu começava a expandir-se pelo país se tornando por um período a língua geral na fala dos neobrasileiros, essa língua fora introduzida pelos jesuítas como língua civilizadora subsistindo até o século XX. O processo de sucessão também ocorre com a técnica agrícola que incorpora cada vez mais elementos europeu a medida que a economia mercantil se moderniza. O processo de formação dos povos americanos se deu de diferentes formas tal que aos gentis colonizados pelos portugueses tem em sua formação étnica a misigenação entre os da terra e o europeu e o negro, que em ração de não se identificarem pertencentes a nenhuma dessas três matrizes irá se criar uma nova etnia sua e sem uma única raiz ancestral, mas uma mistura de raízes, nasce então o brasileiro, que passa assim a ter uma identidade coletiva. O processo de construção étnica deixa marcas apenas de um grupo mais letrado, dos quais esses tem um fanatismo pela reafirmação da herança étnica do colonizador português, não reconhecendo a até mesmo menosprezando os mestiços que como Darcy ribeiro menciona, não eram aceitos na raiz genética europeia e nem indígena, portanto eram rechaçados. Esta parcela da população necessitava de criar uma nova etinia, a brasileira, mas mesmo dentre estes haviam conflitos com os que também não eram aceitos devido a possuírem outras raízes étinicas.
Tanto portugueses quanto os espanhóis sempre relataram o contingente indígena de maneira a amenizar a sua quantidade e dignificar o papel do conquistador. Estima-se que o número da população indígena nas Américas seja o dobro do que relatam os documentos da época, e que fora reduzido a bem menos da metade ao longo do processo de colonização. Os índios capturados e escravizados eram enviados para trabalhar em diversas regiões da colônia e muitas vezes distantes de suas tribos. Durante muito tempo a população indígena continuou sendo disimada e capturada, além de perderem suas terras a partir da aproximação do homem branco. Ainda na primeira década do século XX a situação indígena era bastante conflitante, foi então que o humanista Cândido Rondon e seus companheiros estabeleceram um corpo de diretrizes que por décadas orientaram uma política indianista oficial.

 A conquista do território brasileiro custou caro a Portugal que vivia sob ameaça constante de ser engolido pela Espanha na luta por fronteiras. A construção da população se faz como resultado de uma política espontaneísta, deflagrando na depopulação de milhões de trabalhadores com o incremento de outros milhões, ela se constrói pela dizimação mais atroz e pelo incremento mais prodigioso, utilizando do ventre de mulheres indígenas escravizadas. O branco colonizador e seus descendentes aumentavam a população não pelo ingresso de novos europeus, mas sim pela multiplicação de mestiços e mulatos. O negro crescia passo a passo junto com os brancos, uma vez que eram trazidos novo contingente da Africa apenas para repor os desgastados pelo trabalho ou para aumentar o estoque disponível para projetos produtivos.



Fonte: "O Povo Brasileiro" - Darcy Ribeiro

terça-feira, 16 de agosto de 2016

O Povo Brasileiro - Capitulo I : O Novo Mundo


Darcy Ribeiro apresenta neste livro a sua pesquisa realizada sobre a formação do povo brasileiro. Nesta pesquisa ele faz uma análise de como se originou o povo brasileiro através da misturas étnicas, como também de suas culturas e como se dá o comportamento desta sociedade em relação aos aspectos da mestiçagem e posições sociais. Ele nos mostra através deste trabalho que o povo brasileiro tem essa mestiçagem mas não a aceita de fato, principalmente a minoria pertencente a classe dominante, que sempre se mantém no poder e que para tanto faz uso da repreensão e da força sempre que um populista e nacionalista ameaça a institucionalidade mantida por eles. 
Começamos tratando da questão indígena, onde Darcy Ribeiro mostra através de sua pesquisa que  no contato com o Europeu, muitas etnias indígenas foram extintas por não corresponderem aos seus interesses. Os portugueses fizeram contato com as tribos gentis que os viam com representação de Deuses no inicio e se aproveitando da inocência do índio, usaram-nos para a exploração e expansão do território brasileiro. Usavam as guerras que haviam entre os índios para tirar mais proveito apoiando e incentivando cada vez mais ataques aos que não se permitam ser catequizados. Consequentemente através desses contatos começou a nascerem filhos de índios com brancos dando origem a miscigenação. É também a partir desse contato que há um aculturamentos dos indígenas, que passam a ser subjulgados pelos portugueses, tendo de aprender seus costumes e suas crenças e se tornarem cristãos.
 Com o passar do tempo os índios começaram a perder aquele visão de que os europeus eram espécies de deuses que os levariam para os Céus, e começaram a apresentar resistência defendendo o máximo que podia o seu jeito livre de viver, porém cada tribo lutava por si. Mas como o europeu era mais avançado tecnologicamente eram mais fortes que os índios, acarretando num grande extermínio da população indígena no Brasil numa guerra que durou séculos e que na verdade há até hoje, pois temos tribos que vivem isoladas e que não aceitam a cultura europeia sobreposta à sua cultura. Todo esse massacre contra os indígenas teve apoio da Igreja Católica através da companhia dos Jesuítas que tinham como missão catequizar os povos locais e os que não aceitavam deveriam ser mortos ou escravizados. Outro fator que contribuiu ao extermínio de muitos indígenas foram as doenças e pestes trazidas pelos portugueses, eles não tinham imunidades para combater tais doenças pois seus modos de vida, alimentação e costumes não lhes permitira o conhecimento de tais aflições até a chegada dos portugueses.



O gentio foi subjulgado pelo europeu desde quando chegaram às Américas e tudo com o conhecimento e aval da igreja católica, que com a ideia de salvação das almas dos índios permitiu que os europeus os explorassem alegando ser a subverniência o caminha para a salvação sob a orientação dos padres jesuítas, fazendo com que os índios acreditassem em sua condição servil. Os europeus por terem um conhecimento de técnicas de persuasão e possuírem objetos que causava curiosidade e encantamento nos índios acabaram por dominar muitas tribos com essa ideia de que a submissão e o trabalho os levariam a salvação segundo a fé cristã, a igreja por sua vez legitimava tais práticas e também o extermínio dos que não aceitavam se converter ao Cristianismo e os que exercia a prática da antropofagia, comendo carne humana. Diferentemente do que ocorrera na colonização da América do Norte que tinha como ideia a europeização do território separando-se dos índios, assim como também diferente das colonizações ibéricas que se reproduziam com os nativos apenas para aumentar a mão de obra escrava, aqui ocorrera uma miscigenação entre o branco e o índio dando origem aos primeiros brasileiros.
Fonte: "O Povo Brasileiro" - Darcy Ribeiro

terça-feira, 19 de julho de 2016

A Questão da Educação Sexual no Brasil na Década de 80.


INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar a história da educação sexual no Brasil durante a década de 80, principalmente após a metade da década com o surgimento da AIDS e a repressão sexual ocorrida após o seu surgimento. A utilização do termo educação sexual é priorizada conforme visto a utilização do termo em grande parte das publicações acadêmico-cientificas em oposição aos termos instrução sexual e orientação sexual. 
A escolha desse período, converge com os acontecimentos nas décadas anteriores, nas quais vivemos um período de liberdade sexual na década de 70 e primeira metade da de 80. No período final da década de 70, ocorreram longas discussões, restrições e intervenções políticas com campanhas de planejamento familiar pró-natalista, de amplo puritanismo e repressão, houve uma abertura para as experiências na área da educação sexual por volta de 1978 e inicio da década de 80.
Durante a década de 80, com surgimento da AIDS houve os primeiros estudos sobre a epidemia e sexualidade, que passou a ter maior repercussão na pesquisa acadêmica frente o avanço da epidemia, de acordo com o a pesquisa publicada por Claudia Morais e Sérgio Carrara intitulada “AIDS: um vírus só não faz a doença.” Havendo uma crescente preocupação com as Doença Sexualmente Transmissível (DST), porém a Educação Sexual ainda era tratado como tabu e existiam muitas dúvidas em relação a essas doenças e quais as formas de prevenção. Iremos analisar quais foram as medidas encontradas e se houveram, para tratar temas como este das DST’s e meios de prevenção, como também temas ligados a sexualidade (orientação sexual) e da fecundidade e os métodos anticoncepcionais.
Contudo iremos analisar a importância da inserção da disciplina de Educação Sexual no Brasil, avaliando as experiências que ocorreram nesse período ou até mesmo a falta de mais experiências, pesquisas e trabalhos nesta área da educação no período que iremos tratar.

A QUESTÃO DA FECUNDIDADE.
Durante os anos 80 a falta da disciplina de Educação Sexual implicou em uma crescente necessidade da criação de programas voltadas para a Educação Sexual no final da década e inicio da década de 90. Houve uma crescente preocupação com a fecundidade na adolescência e a necessidade de esclarecimento quanto aos métodos contraceptivos e formas de prevenção, que também compete as Doenças Sexualmente Transmissíveis também denominadas como  DST’s tendo seu principal foco na AIDS.
De acordo com as pesquisadoras Mary Garcia Castro, Miriam Abramovay e Lorena Bernardete da Silva o período de 1981 à 2000 em pesquisa  realizada para a UNESCO, houve um aumento na taxa de fecundidade na faixa etária dos 15 aos 19 anos. Tendo em vista esses dados poderemos analisar como  a abordagem do tema sexualidade nas escolas poderia ter contribuído para evitar esse aumento. A importância do uso do preservativo não só na prevenção de doenças, como também na prevenção da fecundidade e a questão do aborto. 
As pesquisas realizadas pela UNESCO mostram que quanto menor o nível de escolaridade e quanto mais carente for a região onde a adolescente vive, maior é o índice de gravidez na adolescência. Em virtude disto, do aumento de casos de gravidez precoce na adolescência, abortos clandestinos que colocam a vida das mulheres em risco, além do surgimento da AIDS/HIV é que se começou ter maior preocupação, debates e estudos que acarretaram na inclusão do tema de Orientação Sexual nos temas transversais dos PCNs afim de que possa ser trabalhado ao longo de todos o ciclos do ensino.

ORIENTAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS.

“O tema da sexualidade está na ‘ordem do dia’ da escola. Presente em diversos espaços escolares, ultrapassa fronteiras disciplinares e de gênero, permeia coversas entre meninos e meninas e é assunto da ser abordado na sala de aula pelos diferentes especialistas da escola; é tema de capítulos de livros didáticos, bem como de músicas, danças e brincadeiras que animam recreios e festas. Recentemente ela, a sexualidade foi constituída, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, em tema Transversal.” (ALTMAN, 2001, p. 575).

Conforme Helena Altmann elucida em seu artigo que de acordo com estudos sobre o tema, a partir do século XVII começam a surgir as primeiras preocupações escolar em relação a sexualidade das crianças e dos adolescentes em particular, quando a questão tornou-se um problema público. Isso ocorre devido a mudanças no entendimento sobre sexo quando a desejos, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos. E de acordo com Foucault essa busca da verdade sobre o sexo é exercida pelo Poder, mas não aquele institucional que é imposto, e sim o Poder que advém do conhecimento de Si, do autocontrole, da aceitação e da normalização das questões de sexualidade e gênero.

“A nova tecnologia do sexo, que nasce no século XIX, escapa à instituição eclesiástica e se desenvolve ao longo de três eixos: o da pedagogia, o da medicina e o da demografia. O sexo passa a ser negócio de Estado e, para que ele seja administrado, todo o corpo social e quase cada um de seus indivíduos são convocados a posicionarem-se em vigilância.” (FOUCAULT, 1997, p. 110).

A Educação Sexual no Brasil iniciou seus primeiros projetos nos anos 20 e 30 tendo como questões os problemas de “desvios sexuais” e o crescente número de vítimas da sífilis. Durante as décadas de 60 e 70 passou por períodos de idas e vindas, onde na segunda metade da década de 60 desenvolveram experiências de Educação Sexual em algumas escolas públicas e que deixaram de existir no inicio da década de 70, voltando a ser permitida o inserção de Educação Sexual no ensino a partir de 1976, porém não sendo obrigatório uma vez que de acordo com decreto a questão da orientação sexual passa a ser de responsabilidade da família. Essa polêmica continuou na década de 80, porém mais a nível de discurso devido as modificações que ocorreram neste período, como veremos a seguir.
Com o surgimento de uma nova epidemia (AIDS/HIV)  a partir da segunda metade da década de 80, começam a haver maiores discussões acerca do papel do Estado e da educação na orientação sexual que até então ainda tinha o estigma de ser responsabilidade da família, sendo o Escola não obrigado a tratar o tema em seu currículo. Assim como também o crescente número de adolescentes grávidas durante este período.

EDUCAÇÃO SEXUAL E O SURGIMENTO DA AIDS (HIV).

A partir da década de 80, em meados de 1984, há o surgimento de uma nova epidemia sexualmente transmissível que contribuiu para o aumento da preocupação dos conteúdos a serem discutidos na educação com o propósito de evitar maior proliferação do vírus entre os jovens e adolescentes. De acordo com dados apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais publicado em 1998 referente ao período entre 1980 e 1995 a incidência de adolescentes grávidas no Brasil aumentou 7,1% e com o surgimento da AIDS há essa nova preocupação em relação aos meios de prevenção contraceptivos e de proliferação de casos de AIDS/DST. Deste o primeiro caso estima-se que as mortes causadas pela doença já chegam a 22 milhões, de acordo com pesquisa publicada pela Folha de São Paulo em junho de 2001.
No artigo publicado em 2000 no caderno de saúde pública do Rio de Janeiro “AIDS e grau de escolaridade no Brasil: evolução temporal de 1986 a 1996” é apresentado resultados da pesquisa que fora realizada por um grupo de pesquisadores para esta publicação, onde é constatado que a epidemia começou com um índice maior de infectados nos homens com maior grau de escolaridade e entre as mulheres quase que equiparados, mas ainda assim com as de maior grau de escolaridade com índice maior. No decorrer deste período até o final em 1996 observa-se que esse índice inverte e os de menor escolaridade passam a representar um número maior de pessoas infectadas pelo HIV. De acordo com os pesquisadores o ano de 1996 fora considerado o ultimo para analise, de modo a reduzir o efeito do atraso de notificação à Coordenação Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde.

Através desses dados em decorrência do período em que a disciplina de Educação Sexual ficou afastada do currículo escolar, é possível ver que independente de ser de um grau de escolaridade maior a doença acabou tendo em seu inicio maior contágio entre os de maior grau. Isso nos faz analisar que se tivesse havido políticas educacionais abordando de forma esclarecedora as DST, formas de contágio e prevenção também nas escolas, poderíamos ter dados diferentes. Pois como vimos ao longo deste artigo, a Educação Sexual passou a não ser vista como política pública e deveria ser ensinado pela família e não pelo o Estado, que subsequentemente voltou a autorizar a escola poder ministrar a disciplina de Educação sexual caso quisesse, pois entendia que não era uma obrigatoriedade no currículo escolar na década de 80 conforme publicado no Artigo sobre orientação sexual nos parâmetros curriculares nacionais de Helena Altmann.
Após surgimento e crescimento da epidemia da AIDS/HIV na segunda metade da década de 80, principalmente entre os jovens, começou-se a haver maior preocupação com o assunto, inclusive dentro do ambiente escolar. Formas de contagio, prevenção e cuidados, são temas que passaram a ser discutidos em sala de aula a fim de reduzir a proliferação do vírus, principalmente nos mais jovens que apresentavam um numero crescente de contagio conforme vimos nas pesquisas apresentadas neste artigo. Podemos observar que tais mudanças na educação ao longo dos anos proporcionaram um declive de contagio entre os de maior escolaridade e um aumento dos com menor escolaridade, mostrando com eficácia que a disciplina de orientação sexual tem sua importância no currículo escolar não só na questão da natalidade, mortalidade infantil, abortos clandestinos e mortes por aborto, como também é importante na prevenção de DST/AIDS com uma questão social e de saúde pública.

AIDS/DST E A DISCUSSÃO SOBRE SEXUALIDADE E GENERO

“A escola é uma das instituições nas quais se instalam mecanismos do dispositivo da sexualidade; através de tecnologia do sexo, os corpos dos estudantes podem ser controlados, administrados. A escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação várias tecnologias do governo.” (Louro, 1999. P. 25-26)

A década de 80 as Ciências Sociais foram profundamente afetadas e renovadas pelas pesquisas sobre a AIDS, foram publicadas muitas pesquisas com esta a temática nas quais reúnem investigações realizadas por especialistas de diferentes áreas das Ciências Sociais e Humanas onde usamos algumas delas como parâmetro no estudo proposto por este artigo. Dentre estas destacamos “Em tempos de AIDS” organizada por Vera Paiva em 1992 e “AIDS no Brasil”, organizada por Richard Parker, Cristiana Bastos, Jane Galvão e José Stalin publicada em 1994 oferecendo um resumo das questões que tem moldado o debate perante a epidemia e também apresentando os resultados de diversas pesquisas envolvendo questões relativas à sexualidade (homossexualidade como principal temática), prevenção entre mulheres e homens, medicalização na prevenção de doenças venéreas.

Essas pesquisas mostraram que embora muitos conhecessem e já haviam feito uso de preservativos, muitos não utilizavam com frequência por ainda acharem que a maior função do uso era para evitar gravidez do que para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Muitos também acreditavam que por terem uma vida sexual hétero, possuírem parceiros fixos ou por não terem uma vida sexual “promiscua” não corriam risco de contaminação. Através dos meios de comunicação de massa  a AIDS e as formas de transmissão se tornaram conhecidas mais rapidamente, no entanto essa divulgação contribuiu para aumentar o pânico e a insegurança, estimulando comportamentos moralizadores devido a associação da doença com grupos de risco como homossexuais, consumidores de drogas, “promíscuos(as)” e prostituas. Este fenômeno de acordo com Marilena Corrêa na pesquisa coordenada por Loyola sobre sexualidade, sugere que o advento da AIDS pode ter contribuído para modificar o papel hegemônico da medicina que vinha ocupando um discurso da normatização dos comportamentos sexuais, levando a discussão passou a tematizar debates públicos intermediados.Na publicação de Carmen Dora Guimarães de 1994, a autora apresenta resultados de pesquisas que mostram que tal ideia de grupos de risco ocasionou um crescimento da epidemia entre as mulheres pois as campanhas de prevenção no início era voltada para as profissionais do sexo e usuárias de drogas injetáveis, excluindo a maioria das mulheres.
A Educação Sexual na escola em nossa sociedade está associada de certa forma ao surgimento e proliferação de uma epidemia, com fora nos anos 30 com a epidemia de sífilis, passou a ser atribuída novamente à escola a função de contribuir para a prevenção de AIDS/DST e dos casos de gravidez. Conforme nos capítulos acima, no inicio da década de 80 a Orientação Sexual era pouco ou quase nada discutido nas escolas devido a sua não obrigatoriedade e o Estado entender que era função da família e não sua discutir tal tema. Após o surgimento da AIDS e o crescente numero de gravidez entre os adolescentes, ao final da década devido a pesquisas e publicações que começavam a ser publicadas esse pensamento começou a mudar. Onde também entra as questões de gênero e sexualidade, pois ao contrário do que se pensava a epidemia não era fator de um determinado grupo, mas sim um risco a todo cidadão.
A questão da sexualidade também era um assunto pouco tratado na década de 80, e quando tratado era mais voltado para as questões da homossexualidade, isso se deve também ao fato de que na época existiam poucos estudos acadêmicos sobre as diversidade sexual como temos hoje e os que tinha em sua maioria eram voltados para a questão da homossexualidade masculina. Portanto, ao que se refere no âmbito escolar era um assunto que ainda sofria um certo tabu.

CONCLUSÃO
De acordo com os conteúdos apresentados neste artigo, observamos que a disciplina de Educação Sexual é de extrema importância para a formação do individuo. Pois trata não apenas das questões de gravidez, DST’s e os meios de prevenção, como também aborda a questão de gênero e sexualidade, visando romper tabus acerca de comportamentos sexuais vistos como certos ou errados esclarecendo que não existe grupos de risco e que todos devemos nos prevenir para que se tenha uma vida sexual saudável, independente se homem, mulher, heterossexual ou homossexual. Vivemos em uma sociedade onde a diversidade faz parte da nossa cultura e do nosso dia a dia. A Orientação Sexual visa esclarecer diferentes formas de comportamentos sexuais rompendo preconceitos que foram construídos em cima da falta de informação.
Escolhi a década de 80 justamente por estarmos vivendo um momento de liberdade sexual no qual foi resfriado com o surgimento da epidemia da AIDS que devido ao medo e a desinformação fez com que voltássemos a viver uma nova era de repreensão as liberdades sexuais e de comportamento. Hoje ao analisar este período, compreendemos por que se fez necessária a inclusão da disciplina de Educação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais com tema transversal. Afim de reduzir o preconceito e formar indivíduos mais informados, precavidos e que saibam conviver com a diversidade que há em nossa sociedade.
Identificamos que a disciplina exerce uma grande papel para o Estado quando o assunto é proliferação de epidemias sexualmente transmissíveis, que por ser uma questão de saúde pública, desperta o interesse para que a escola desempenha seu papel de esclarecedor na formação do cidadão.
Hoje devidos ao grande número de publicações de artigos e pesquisas sobre sexualidade, podemos tratar do assunto de forma mais abrangente, não só com o foco na saúde pública como as questões de gravidez, aborto e epidemias, mas também no desenvolvimento do aluno para o convívio em sociedade e para a libertação da sua própria sexualidade, do seu entendimento como ser. O desenvolvimento de estudos ligados a sexualidade, nos permite trabalhar para conscientizar e normatizar as diversas manifestações que cada individuo possui acerca disto e entendermos que não há uma única forma, um padrão que deve ser seguido. A sexualidade é algo que expressa a vontade/necessidade de cada um, e a função da disciplina de Educação Sexual é justamente quebrar tabus e ensinar o respeito a si, ao outro e a diversidade.


 FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABRAMOVAY, Miriam. Juventudes e sexualidade / Míriam Abramovay,  Mary Garcia
       Castro e Lorena Bernadete da Silva. Brasília: UNESCO Brasil, 2004.
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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
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       Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 146p. 1. Parâmetros curriculares
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_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
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CAVALCANTI, Robinson. Libertação e sexualidade. 2 Ed. São Paulo: Temática      
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CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual, essa nossa (desconhecida). 12.Ed. São Paulo:  
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       (1990 – 2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC, 2005.
FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Revendo a história da educação sexual no Brasil:     
       Ponto de partida para a construção de um novo Rumo. Nuances - Vol. IV –
       Setembro de 1998.
FOUCAULT, Michael. A história da sexualidade 1: a vontade de saber. 12. Ed. Rio de    Janeiro:    Graal, 1997
FONSECA, Maria Goretti. AIDS e grau de escolaridade no Brasil: evolução temporal
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