terça-feira, 13 de setembro de 2016

CAPITULO III - PROCESSO SOCIOCULTURAL - parte 1


Na busca de uma identidade étnica única tiveram várias guerras no Brasil de uma determinada raiz étnica subjulgando a outra, temos a exemplo disso a guerra dos Cabanos, assim com também os Palmares. Um outro exemplo foi Canudos que tinha um viés mais classista. O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi altamente conflitivo. O conflito interétnico se processa no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que a fustiga afim de implementar um novo tio de economia e de sociedade. As forças que se defrontam nessas lutas eram desiguais, de um lado as sociedades tribais que eram estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade e com uma profunda identificação étinica e com um modo de vida solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, antagonicamente opostas mais imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente responsáveis. Ao longo de dois séculos e meio, os conflitos sucederam o plano adminstrativo que culminou na deportação dos Jesuítas primeiro em São Paulo se espalhando para a demais regiões da colônia. A companhia dos jesuítas crescera de tal forma que se tornara muito rica, eles tinha grandes propriedades de terras, as melhores propriedades urbanas, engenhos, rebanhos, serrarias e muitos outros bens. Quando foram expulso pode se avaliar o tamanho de seus bens durante o espólio para a distribuição entre os colonos nobres. O sistema de economia solidária pregada pelos jesuítas tomara tamanha proporção que passou a causar inveja e cobiça, fazendo com que pressionassem a coroa para a desapropriação desses bens a fim de toma-los para si através do sistema burocrático.
No plano econômico o Brasil é produto de implantação e interação de quatro ordens de ação empresarial, sendo primeiramente a principal delas a escravista ( latifundiária e monocultura), subsequente mente a comunitária jesuítica, a multiplicidade de microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado. As empresas escravistas integram o Brasil nascente na economia mundial e asseguram a prosperidade secular dos ricos, as missões jesuíticas solaparam a resistência dos índios, contribuindo para a liquidação, as empresas de subsistência viabilizaram a sobrevivência de todos e incorporaram os mestiços de europeus com índios e com negros, plasmando o que viria a ser o grosso do povo brasileiro. Sobre esta três empresas, havia uma quarta dominadora, constituída pelo núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação, sendo este o setor mais lucrativo da economia colonial, pois intermediava as relações entre Brasil, Europa e Africa no tráfico marítico, no câmbio, na compra e venda.
Na organização Urbana, nossa primeira cidade, de fato, foi a Bahia, já no primeiro século, onde surgem também o Rio de janeiro e João Pessoa. A partir do segundo século e nos subsequentes irão surgindo as outras cidades que foram crescendo no decorrer dos séculos e se tornaram centros de vida urbana. A independencia espalhou quantidades de lusitanos por toda a parte, todos muito voltados ao comércio, como agentes de empresas inglesas. A abolição, dando alguma oportunidade de ir e vir aos negros, encheu as cidade do Rio de Janeiro e da Bahia de núcleos chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de agora. Na passagem do século com a crise de desemprego na Europa desembarcam cerca de 7 milhões de europeus no Brasil, concentrando a maior parte em São Paulo onde renovaram a economia da região. Foram eles quem iniciaram o processo de industrialização do país. As cidades e vilas da rede colonial que correspondem a civilização agrária, eram centros de dominação colonial criados por ato expresso da Coroa para defesa da costa. Exerciam, como função principal, o comércio de importação e contrabando, a prestação de serviços aos setores produtivos na cobrança de impostos e taxas, concessão de terras, de legitimação de transmissão de bens por herança ou por venda e de julgamento de conflitos. As principais edificações das cidades eram igrejas, conventos e fortalezas, que também era seu principal atrativo. O fazendeiro ou comerciante tinha e mantinha agregados que os serviam sem nenhum salário, apenas recebiam os mantimentos para sua sobrevivência. Essa gente auxiliava e todas as tarefas doméstica e estava destinadas a abrilhantar a posição dos ricos e remediados, carregando a eles próprios, a seus objetos e dejetos, amamentando os recém-nascidos, servindo-lhes, enfim de mãos e de pés. Apesar das diferenças entre as formações socioculturais europeias e as brasileiras, ambas eram fruto de um mesmo movimento civilizatório. Com a industrialização se altera essa constelação urbana no que tinha de fundamental, que era sua tecnologia produtiva, transformando todo o seu modo de ser, de pensar e de agir.
            No Brasil, a industrialização promove a expulsão da população do campo, com o crescimento dessas populações do campo ao longo dos séculos anteriores a este processo, vivemos um dos mais violentos êxodos rurais, tanto mais grave porque nenhuma cidade brasileira estava em condições de receber esse contingente espantoso de população. Sua consequência foi o aumento da miséria da população urbana e maior competitividade por empregos, embora haja variações regionais e São Paulo represente um grande percentual nesse translado, o fenômeno se deu por todo o país. No presente século, teve lugar uma urbanização caótica provocada menos pela atratividade da cidade do que pela evasão da população rural, ocasionando na loucura de termos algumas das maiores cidades do mundo, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, com o dobro da população de Paris ou Roma, mas dez vezes menos dotadas de serviços urbanos e de oportunidade de trabalho. Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das constrições sociais que deformavam o desenvolvimento nacional. Primeiro a estrutura agrária dominada pelo latifúndio, segundo a espoliação estrangeira que amparada pela política governamental fortalecera seu domínio. Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. A moderna industrialização brasileira teve impulso através de dois atos de guerra propostos por Getúlio Vargas que foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a devolução das jazidas de ferro de Minas Gerais que deram origem a Vale do Rio Doce. Essa política de capitalismo de Estado e de industrialização de base provocou reações adversas dos privatistas e dos porta-vozes dos interesses estrangeiros. Quando Getúlio se prepara para a criação da Eletrobrás e da Petrobrás a mídia faz uma campanha de desmoralização do seu governo o qual valeu o próprio suicídio, que acordou a nação para o caráter daquela campanha e quais os reais interesses dos inimigos do governo. Com a eleição de Juscelino Kubtschek, desencadeia a industrialização substitutiva, abandonando a política de capitalismo de Estado atraindo numerosas empresas para implantar subsidiárias no Brasil, concedeu subsídios, terrenos, isenção de impostos, empréstimos e avais estrangeiros. O Estado brasileiro não tem nenhum programa de reestruturação econômica que permita garantir pleno emprego a essas massas dentro de prazos previsíveis. Os tecnocratas dos últimos governos só veem saída na venda a qualquer preço das indústrias criadas no passado com tão grandes sacrifícios, confiante em que isso nos dará a prosperidade, se não para o povo trabalhador, ao menos para os que estão bem integrados no sistema econômico. O que nos falta hoje é maior indignação generalizada em face de tanto desemprego,
tanta fome e tanta violência desnecessárias, porque perfeitamente sanáveis com alterações estratégicas na ordem econômica. Falta competência política para usar o poder na realização de nossas potencialidades. A própria população urbana encontra soluções para seus problemas com o que está a seu alcance, aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhes permitem viver juntos aos seus locais de trabalho e conviver em comunidades humanas. O favelado torna a crise das drogas no meio em que vive como um sistema de empregabilidade e um padrão de carreira altamente desejável para a criançada. Outro processo dramático é a deculturação dessa população das favelas onde sua gravidade se assemelha ao ocorrido no passado com os índios, o negro e o próprio europeu no processo de deseuropeização. Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrinação. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa fazendo a cabeça das pessoas, impondo-lhes padrões de consumo inatingíveis, desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações e seu pendor à violência. Algo tem que ver a violência desencadeada nas ruas com o abandono dessa população entregue ao bombardeio de um rádio de uma televisão social e moralmente irresponsáveis, para as quais é bom o que mais vende, refrigerantes ou sabonetes, sem se preocupar com o desarranjo mental e mora que provocam.
Nossa tipologia de classes sócias é formada pelo patronato de empresários onde o poder e a riqueza vem da exploração econômica e o patriciado, cujo mando decorre do desempenho de cargos. Cada patriciado enriquecido quer ser o patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio. Nas ultimas décadas surgiu e se expandiu a classe dos tecnocratas, que controlam a mídia coformando a opnião pública, eles elegem parlamentares e governantes, ou seja, eles manda com desfaçatez cada vez mais desabrida.
 Abaixo ficam as classes intermediárias, propensos a prestar homenagem as classes dominantes, tirando disso alguma vantagem. Dentro dessa classe, entre o clero e os raros intelectuais, é que surgiram mais subversivos em rebeldia contra a ordem. A insurgência mesmo foi desencadeada por gente de seus estratos mais baixos. Por isso mesmo mais padres foram enforcados que qualquer outra categoria de gente. Seguem-se as classes subalternas, formada por pequenas proprietários, arrendatários, gerentes de grandes propriedades rurais, etc. Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango de classes sociais brasileiros, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. Essa estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. As classes subalternas são as classes consumidoras onde seu pendor está mais para defender o que já tem e obter mais, do que para transformar a sociedade. O quarto estrato é formado pelas classes oprimidas que são excluídos da vida social e lutam por ingressar no sistema de produção e pelo acesso ao mercado. Essa configuração de classes antagônicas organiza-se de fato para fazer oposição às classes oprimidas em ração do pavor-pânico que infunde a todos e ameaça de uma insurreição social generalizada.
No Brasil, as classes ricas e pobres se separam uma das outras por distâncias sociais e culturais quase tão grandes quanto as que medeiam entre povos distintos. Essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para esse depósito de miseráveis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam. Não é por acaso, pois o Brasil passa de colônia a nação independente e de Monarquia a República, sem que a ordem fazendeira seja afetada e sem que o povo perceba. Todas nossas instituições políticas constituem superfetações de um poder efetivo que se mantém intocado: o poderio do patronato fazendeiro. A única saída possível para essa estrutura autoperpetuante de opressão é o surgimento e a expansão do movimento operário. É por esse caminho que as instituições políticas podem aperfeiçoar-se, dando realidade funcional à República.

Fonte: "O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro."

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