quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CAPITULO IV - OS BRASIS NA HISTÓRIA


Nesta parte do livro, Darcy Ribeiro nos apresenta através de sua pesquisa que a identidade dos brasileiros se explica pela precocidade de sua constituição e pela flexibilidade, que permitiram uma adaptação secular, ajustamentos locais e a sobrevivência dos ciclos produtivos. Identificou cinco tipos de Brasis, ou seja, cinco regiões extremamente diferentes, com costumes, tradições e culturas diversas.
O Brasil crioulo localizado na região do recôncavo baiano, no nordeste brasileiro, tem no centro de seu contexto, os grandes engenhos. Em resumo, este Brasil inicialmente era dominado pelos senhores de engenho e tinha na cana-de-açúcar a sua principal fonte produtiva. Em um primeiro contato do português com o indígena, ocorre a tentativa infeliz de escravizá-lo, desta forma, a solução para o problema de mão de obra para o ciclo de produção da cana-de-açúcar aparece com o comércio de escravos (negros), para suprir a escassez da mão de obra.
Com a produção de açúcar holandesa nas Antilhas, a economia brasileira começou a entrar em declínio. No fim do século XIX, com a abolição da escravatura, os negros passaram a ganhar um pedaço de terras para trabalhar como agregados e poder adquirir produtos do senhor de engenho. O Brasil caboclo ocorre na Amazônia, com a tentativa de explorar seus recursos naturais, como a madeira, o ouro, as pedras preciosas, e especialmente os seringais. O autor explica que mesmo nas zonas de maior densidade, os seringais cobrem enormes extensões, impedindo que a população se organize em núcleos consideráveis. Além disso, ocorreu a introdução de novas culturas, como a criação de gado e o plantio de lavouras, tudo isto feito de forma desordenada, e sem consciência ecológica, empurrando o índio “mata a dentro” cada vez mais, dificultando o processo de tentar convertê-los ao catolicismo. Neste contexto, alguns indígenas foram escravizados, na tentativa de utilizar de suas técnicas na floresta para realizar o extrativismo das chamadas “drogas da mata”, especiarias como cacau, cravo, canela, baunilha, sementes, entre outras.
O Brasil sertanejo desenvolveu uma economia associada à produção de uma subcultura própria caracterizada por uma vestimenta, culinária e visão de mundo bem típicas. Primeiramente o pastoreio se fazia pelos próprios senhores de engenho, mas com o tempo a atividade tornou-se especificidade de criadores. O gado era recebido pela família do vaqueiro e seus ajudantes, sendo que as relações eram menos desiguais nesse sistema, o que atraía muitos mestiços à atividade. Este sistema surge como dependente da atividade açucareira, utilizando das pastagens e do gado trazidos pelos portugueses de Cabo Verde. A necessidade de recuperar e apartar o gado levou à cooperação entre as pessoas, acabando por transformar a convivência entre as mesmas. Desta convivência surgiram festas, bailes, casamentos e uma maior atividade social no movimento de expansão. O sertão era cortado e ocupado pelos homens que marchavam de pouco em pouco, avançando cada vez mais para o interior, as populações sertanejas, desenvolvendo-se isoladas da costa, dispersas em pequenos núcleos através do deserto humano que é o mediterrâneo pastoril, conservaram muitos traços arcaicos. Aos poucos, os lugarejos iam se transformando em vilas e cidades, fazendo crescer os locais de habitação urbanos, tornando-se um grande negócio para as oligarquias regionais, que perduram até os dias de hoje.
 Outro Brasil que o autor identificou foi o Brasil caipira. Enquanto os açucareiros do nordeste cresciam e enriqueciam, a população paulista se via numa economia de pobreza, que, inclusive, está na base das motivações e dos hábitos e caráter do paulista antigo. Isso fazia deles um bando de aventureiros sempre disponíveis para qualquer tarefa desesperada, porém, mais predispostos ao saqueio que à produção. Com a descoberta das minas, multidões vindas de todo o país e até de Portugal chegaram até elas, ricos, remediados e pobres, todos tentavam a sorte nas minas. Inicialmente, o ouro se encontrava à flor da terra para simplesmente ser apanhado. Logo apareceram graves conflitos contra invasores e contra a Coroa. 
A sociedade mineira, centro da mineração, adquiriu feições peculiares com influências paulistas, européias, escravas e de outros brasileiros de outras regiões. A rede urbana ampliou-se, cresciam edifícios públicos, igrejas e a arquitetura barroca. Desenvolveu-se uma classe de ricos comerciantes e burocratas. A literatura, a música e a política libertária também tiveram um grande desenvolvimento. Abaixo das castas superiores estavam o mulato e o negro, que faziam serviços domésticos e trabalhos braçais. Na base da sociedade estavam os negros escravos trabalhadores das minas. Com o esgotamento dos aluviões, a região entra em decadência. Mineradores se fazem fazendeiros de lavouras de subsistência e de gado, essa situação duraria pouco, pois logo surgiria uma nova forma de produção agroexportadora: o plantio do café, que revitalizaria a região. As cidades voltam a crescer, o domínio da oligarquia se remonopoliza e ocorre um processo de reordenação social. A produção diminui e torna-se pequena, se comparada à produção de sua época áurea. O café representou um papel modernizador e integrador para o país, porém movia-se sempre para a frente, deixando para trás áreas devastadas e erodidas. A massa de estrangeiros que aqui chegavam e iam se abrasileirando e deixando suas influência para este Brasil caipira.

A expansão dos paulistas atingiu a região sulina, antes dominada por espanhóis, tendo sido esta a causa que anexou a região Sul ao Brasil. Surge desta forma, o Brasil sulino. Houveram também as missões jesuíticas, que vieram para catequizar os índios guaranis, depois se deram os conflitos com os bandeirantes que dizimaram muitos índios guaranis, forçando os jesuítas a se bandearem pras missões argentinas e paraguaias. Os três componentes sociais do Brasil sulino são o nativo de origem açoriana, o gaúcho (mestiço do espanhol ou do português com o indígena guarani) e o gringo (descendente do imigrante).
O terceiro grupo, o dos gringos, de origem germânica e italiana principalmente, diferencia-se do restante da população por seu bilingüismo, seus hábitos europeus, seu nível educacional mais elevado e um modo de vida confinado em pequenas propriedades, com uma produção diversificada, com base em bovinos, plantio, vinho, entre outras culturas. Imigrantes europeus foram obrigados a aprender o idioma português e a alistar-se nas forças armadas brasileiras. No Brasil sulino ocorreu ainda a distribuição de terras de forma legal, as chamadas sesmarias, na região de Rio Grande, Pelotas, Viamão e Missões. Os estancieiros viram caudilhos e mais tarde se tornam patrões e em tempos menos distantes, tornam-se proprietários de frigoríficos e matadouros. As gerações seguintes, beneficiárias dos resultados desses sacrifícios pioneiros, encontraram condições mais propícias.

Muitos índios e poucos portugueses, misturados pelos jesuítas, eis a origem do nosso caboclo, que habita no lugar de beleza incomparável, beleza só nossa e de alguns vizinhos, a beleza da Amazônia. O chamado Jardim da Terra, de uma extensão imensa. Lá impera a exuberância e o mistério, o mito das riquezas, do ouro e da prata. Das mulheres guerreiras, de gigantes e de anões, das drogas e das plantas fantásticas. A chegada dos europeus representou a catástrofe. As doenças que trouxeram entraram no corpo dos índios para dizimá-los. Foi o sarampo, a bexiga, as cáries dentárias, a caxumba e as gripes. todas mataram grande número de índios. Os que sobraram foram transformados em escravos, para a coleta das drogas do sertão, ou então ficaram sob o controle da catequese de jesuítas, carmelitas e franciscanos.
Este caboclos se transformaram em índios genéricos, sem língua própria, sem identidade. Uma enorme massa de índios, de poucos brancos e negros formou uma nova matriz étnica. Falavam o tupi, uma língua estrangeira que lhes foi trazida pelos jesuítas. O português era apenas a segunda língua, que foi se firmando, graças aos esforços, no segundo reinado. Viviam das drogas do sertão e da abundância da natureza, da forma mais rudimentar e primitiva. A partir de 1880 ocorreu a primeira grande transformação, que marcou o seu maior florescimento econômico. A borracha abriu um ciclo econômico vinculado com a exportação, com a Europa. Para lá é que eram drenados todos os recursos. O seringueiro levava uma vida desgraçada e que conheceu uma nova forma de exploração, o sistema de aviamento. Ele recebia adiantamente as mercadorias que precisava, poucas na verdade: comida, roupas, pólvora,  e pagava depois, mas nunca conseguia pagar. As contas sempre pendiam para um lado só. Manaus transformou-se na capital mundial da borracha e Belém na capital da Amazônia. Depois da primeira guerra o cenário muda. A Malásia domina o mercado da borracha e aqui ocorre a debandada. Empresários se suicidam, casas e palácios começam a ruir e Manaus, a primeira cidade brasileira a ter telefone, energia elétrica e bondes, na década de cinquenta nem energia elétrica mais tinha. Um novo período de desastres se reabrirá com o projeto dos militares golpistas. Queriam integrar a amazônia, loteando-a para os grandes grupos internacionais. Com a Transamazônica queriam levar a modernidade à região. Mas só inauguraram uma nova via crucis de conflitos agrários e de destruição de áreas indígenas. A desintegração e os conflitos tomam conta da região. A contradição é percebida e os povos da floresta se organizam. A morte de Chico Mendes representa simbolicamente todo este conflito. Até hoje a civilização se mostrou incapaz de produzir um sistema de viabilidade econômica às condições da floresta tropical. E segundo Darcy Ribeiro  lá vive o povo mais culto da terra, o povo mais culto do Brasil. Tem dez mil anos de sabedoria herdada, de convívio com a natureza e de saber sobreviver nela, sem degradá-la. O que não seria de uma economia que incorporasse o cupuaçu, o bacuri e tantas outras frutas numa agricultura organizada.

FONTE: "O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro"

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